segunda-feira, 16 de julho de 2012

Canção de despedida

Adeus, meus poetas!
Não mais os incomodarei
com minhas pobres rimas
ou minha mitologia pessoal.
Despeço-me para breve reencontro
ou para nunca mais
(não sei ao certo).
Isto... só o tempo dirá.
Tenho saudades do meu esconderijo
e meus versos já sentem falta
do aconchego que povoa
as gavetas esquecidas.
Sinto saudades do meu próprio esquecimento.
Despeço-me agora para esquecer-me,
a mim e a meus versos opacos.
Adeus, meus poetas!
Continuem colhendo a poesia de cada dia
nas alegrias e tristezas de cada dia,
nas flores e tempestades de cada dia,
nas ilusões e nos amores de cada dia.
Despeço-me agora de verdadeiros poetas,
seres cujas vidas são pura poesia
a alimentar a imaginação indócil
de pseudopoetas como eu.
Adeus, meus poetas!
Adeus.

Sant'Ana

Tu, Sant'Ana,
que em teu ventre me carregaste,
és meu sustento, a minha haste,
a poesia que de minh'alma emana.

Tu, que me colores e me crias
de vermelho, verde, amarelo...
és, entre os elos, o mais belo
da grossa corrente dos meus dias.

Ser-te-ei grato eternamente
pelo açúcar de tua compreensão
e pelo fogo que se acende quando dizes "não".

Tu, que me embalas ternamente,
cantando, amável, qualquer canção,
és, nos mares revoltos do tempo, a tranquila certeza de que existe um continente.

domingo, 15 de julho de 2012

São Gabriel

Meu arcanjo protetor
és tu, São Gabriel,
que me trazes as boas novas do céu
e me abençoas com teu amor.

Tu, meu irmão de todas as horas,
companheiro de todas as casas,
anuncias lindas auroras
com teu sereno bater de asas.

Dos céus és, na terra, o mensageiro,
portador de valiosas mensagens
neste mundo em que tudo é passageiro.

Hoje e sempre as indeléveis tatuagens
que gravaste em meu espírito estrangeiro
haverão de proteger-me, nos desertos, do vil encanto das miragens.

sábado, 14 de julho de 2012

São Marcelo

São Marcelo és tu, meu pai,
que, espada em punho,
sabes colher as secas flores de junho
e entregá-las ao manso ir-e-vir dos cais.

Santo guerreiro que me ensinas
todos os dias a combater
as injustiças e não temer
os doces olhares das meninas.

Tu, meu parceiro, meu camarada,
neste mundo em que impera o Tudo,
foste o primeiro a me mostrar os encantos que há no Nada.

É hoje o teu ensinamento mudo
que me aponta os perigos da Estrada
e me lembra que o Nada, nesta vida, é tudo.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Objeto e imagem

O poema é fino espelho de prata
Em que se projeta fiel imagem
Do poeta. A poesia é viagem,
Doce vertigem que encanta e arrebata.

Luz de prata é cara de vira-lata:
Às vezes o poema é uma miragem
Que o poeta constrói, como fosse um pajem
Que maltrata, engana, ilude... e mata.

Cuidado, leitor, com teus prediletos
Poetas! São eles destros fingidores,
Portadores de peitos insurretos.

Entretanto, fingem lindos amores,
Portam dores e caminham incertos:
Erguem bandeiras de todas as cores!

sábado, 7 de julho de 2012

Chorinho

O meu grupo de chorões
tem cavaco e canarinho,
caboclinhos e azulões
cantando tristes canções,
chorando um choro baixinho.

Soneto petrarquiano

Do meu quarto escuro, ouço distante
O choro doce de alguma mulher.
Paixão desperta e queima quando quer:
Um momento qualquer, qualquer instante.

O sentimento lança o navegante
Ao mar, e dele faz o que quiser.
Aceito do amor o que ele me der,
Faço da vida uma aventura errante.

Atravessando a noite e a madrugada,
Exposto no peito meu coração,
Me perco, à procura da minha amada:

Ninguém deseja a triste solidão:
Percorri toda aquela longa estrada
Movido por doce e pura ilusão.

Ruazinha

Ruazinha doce de minha doce infância...
Em ti, durante o dia, desfilam passarinhos
à procura da matéria-prima de seus ninhos.

Ruazinha doce em que de noite,
excetuando a garoinha,
tudo é vento e silêncio.

Dorme, ruazinha... dorme...
Sonha um sonhozinho de criança
e tece nos cabelos da menina Noite
uma longa e linda trança.

Dorme, ruazinha... dorme
o sono das primeiras namoradas...
aquelas da nossa primeira meninice!

Venta muito, ruazinha, aqui fora...
Venta e chove, agora...
Adeus! até a próxima...
Sinto que a Poesia me manda embora.

Escravidão moderna

salário mínimo

Graffiti

Muros grafitados de raiva.

Rabisco azul de grafiteiro
é também sangue derramado
de camponês ou jovem negro favelado.

Os gritos que ecoam pelos muros da cidade
fazem cessar os tiros
da polícia e dos capatazes.

Tintas na parede
saciando a sede
do povo do sertão.

O spray na mão
abre as portas do coração,
protege as pessoas e preserva o verde.

Poesia de muro:
arte que brota na rua
e revela a verdade nua e crua.